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Eu fui à Tourada em Madrid

  • Foto do escritor: marlavaz
    marlavaz
  • 26 de mar. de 2016
  • 4 min de leitura


Touradas acontecem aos domingos e feriados. O Guia da Abreu desencorajou todo o grupo a ir, porque não era ecologicamente correto, blá, blá. Como tenho um lema – em Roma como romano- peguei o táxi e fui sozinha.

Eram 20 h e o sol estava muito forte! O prédio é um lindo labirinto medieval. Comprei ingresso “na sombra” e sentei-me na arquibancada, misturada aos espanhóis cheios de alegria, simpáticos! Começou o espetáculo às 20:30, sol a pino, e acabou 22:30. A adrenalina não favoreceu as fotos que fiz.

Sentei-me ao lado dos encantadores senhores espanhóis. Não me deixaram pagar a deliciosa cerveja espanhola e nem o sanduiche de pepita de ternera. Dos deuses do Olimpo! Fiquei com receio de que um velhinho espanhol, sentado à minha direita, tivesse um infarto. Felizmente estava acompanhado do motorista.

Eu fazia as perguntas, todos queriam me ensinar com muito charme e sedução. Ali estava eu, a brasileira rainha das touradas por uma noite (com sol). Peço desculpas aos ecologicamente corretos. Compreendi a sociologia da tourada espanhola. É uma linguagem entre dois animais.

É apoteótica a entrada de cada toureiro. As torcidas sacodem os lenços, cada toureiro é designado com uma cor. Ovações na língua espanhola. Tem disputa de torcedores de toureiros nas arquibancadas, como no jogo de futebol brasileiro.


De minha parte fiquei mesmo encantada foi com o corpo do toureiro envolto naquela roupa de cetim bem apertada, um frisson! Por mim o touro não precisava entrar.

A entrada do touro também é deslumbrante, mas silenciosa. Este animal enche a arena, as arquibancadas e o ar de misterioso suspense. Todos seguram a respiração, não se ouve um som (eu só ouvia o bater do coração do velhinho ao meu lado,timbu-timbu..e eu pensava, por favor, não morra antes do touro).

O toureiro cisca a arena com um dos pés calçados nas sapatilhas. O touro cisca a arena com uma das patas. Começa a interação entre os dois animais. Transmitem códigos, entre eles, que estabelecem a regra do jogo. E só um deles sairá vivo.

O toureiro é apoiado pelos peones, montados a cavalo, ou mesmo a pé, que enfraquecem o touro muito resistente. Este é o chamado tecio de banderillas. Não gostei desta parte, mas são as técnicas, faz parte do show. Aprendi que nem todas as vezes que o toureiro passa a capa, dobrada à lança, o faz com perfeição. E o toureiro só se volta para a plateia para receber os aplausos quando ele sabe que a capa deslizou com técnica perfeita sobre o dorso do animal.

Neste momento em que o toureiro se volta para receber os aplausos ele dá as costas para o touro. E por que o touro não investe sobre suas costas? Porque o touro já sabe quais são as regras do jogo.

O bom touro não vem à arena para matar o toureiro, ele vem para mostrar sua força de resistência, este é seu papel no espetáculo. Nas raras ocasiões que ele investe sobre o toureiro, é porque se trata de um animal mal treinado por seus criadores, ou o treino para o teste do tercio de varas na arena não foi adequado. Ou ainda, porque o toureiro não foi suficientemente técnico para adestrá-lo com seus códigos quando se depararam na arena, ciscando como dois animais.

E na hora dos aplausos eu também sacudia o lenço e gritava: Olé! Olé! Uma tourada tem, no mínimo, 06 touros e 03 toureiros, 02 touros para cada toureiro. Assisti à sessão completa e, é claro, “trocando” de touro, porque em cada sessão o bicho já era.

Aprendi como apreciar um toureiro que mostra seu talento e sua técnica (por mim gostei de todos, muito lindos), e quando um touro é competente ou não. Numa dessas sessões o toureiro demorou muito a matar o touro no momento do tecio de muletas. O clima pesou. Suspense silencioso, tensão. De repete, a plateia gritou: “Mata-lo-ja, Mata- lo- ja”. Não só entendi que era para matar logo o touro, como também gritava junto com meus mestres de tourada: “Mata-lo-ja...”. Vi-me num quadro de Dalí. O mais puro surrealismo!


Asseguro-lhes que aprendi muito, diria até que sai dali doutora em touradas, treinada por espanhóis sedutores.

Todavia tenho que contar porque o touro tem que ser morto. Porque se colocado em outra tourada, ele mata o toureiro. Por quê? Porque ele aprendeu todas as estratégias de uma tourada. No início das touradas, não matavam o bicho. Ele voltava e todas as vezes matava o toureiro.

Parece arrepiante e violento? Assim é a cultura da Espanha, pois cada país tem sua sociologia. Futebol é tudo na paz e no amor? Volta e meia um jogador de futebol é covardemente atingido pelos jogadores do time rival, tendo que ser socorrido e, em muitos casos, acaba a carreira ali.

A plateia de uma tourada não difere da torcida de jogo de futebol. Discute-se e tem brigas, porém não há violência física. As torcidas dos times de futebol no Brasil, na Inglaterra, etc. vêm matando os dissidentes. Não matam o touro, animal selvagem de 600 quilos, criado com este fim. Matam gente.


Perdão aos protetores de animais, posso não concordar que matem o touro, mas sou capaz de compreender e respeitar o sentido de uma cultura milenar. E a propósito de matar, a carne é distribuída nos orfanatos, nas instituições de idosos, vendida em mercados, sempre com selo da data da tourada. Porém se o touro matar o toureiro, outro toureiro mata o touro e a carne deste é queimada.

Nós também comemos carne de vaca. E eu vou continuar comendo, do mesmo modo como continuarei comendo foie gras, pois os patinhos são franceses, criados com esse fim e, mais, não são os patinhos do lago do condomínio onde moro.

AH! Esqueci-me de dizer. O velhinho não morreu e me ofereceu carona com o motorista bonitão. Se aceitei? Não vou contar a vocês. Fica por conta do suspense da tourada. E do surrealismo de Dali.

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ESCRITO POR MARLENE VAZ

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