Eu Vi e Sofri em Auschwitz e em Birkenau
- marlavaz
- 26 de fev. de 2016
- 4 min de leitura

Visitamos Auschwitz I, em Oswicim, Polônia, Campo de concentração original que servia de centro administrativo desde maio de 1940. Neste campo morreram perto de 70.000 intelectuais e membros da resistência polaca, além de prisioneiros de guerra soviéticos, prisioneiros comuns, homossexuais e prisioneiros judeus. Ao entrar, vi escrita uma frase: "Arbeit macht frei". Perguntei ao motorista do nosso ônibus da Abreu Turismo, aliás, um húngaro muito doce, e ele traduziu: “O Trabalho Liberta”.
No campo Auschwitz II (Birkenau), no município polonês Brezezinka, morreram aproximadamente um milhão de judeus e 19.000 ciganos.
Ambos os campos estão distantes apenas 60 Km de Cracóvia. E a Unesco decretou esses campos como Patrimônio da Humanidade, para que essa história permaneça explícita para sempre. Porque os judeus do Leste Europeu, à medida que os nazista invandiam seus países, eram enviados para morrer gaseificados nesses campos.
As primeiras mulheres prisioneiras , assim como as primeiras mulheres vigilantes da SS, chegaram ao campo Auschwitz I, em março de 1942, trazidas do campo de Ravensbrück na Alemanha. Em 1942, ano em que nasci, o campo feminino foi mudado para Auschwitz-Birkenau, e Maria Mendel foi nomeada chefe de vigilância. Perto de um total de 1.000 homens e 200 mulheres da SS serviram como supervisores de vigilância em todo o complexo de Auschwitz. Anne Frank foi internada em Birkenau, entre setembro e outubro de 1944. Depois foi transferida para o campo de concentração de Bergen-Belsen, onde morreu de febre tifóide.

Em 1943 foi criado um bordel nazista em Auschwitz, por ordem do oficial do alto comissariado nazista, Himeller. Traziam lindas moças polonesas e de todos os países subjugados para servir ao exercito nazista. Até hoje, assistimos o reflexo desta cultura de prostituição em Berlim, que relaterei no texto sobre essa capital.
No período de 1943 a 1944, começaram os métodos de esterilização em massa em mulheres, para atender ao alerta de não mais nascerem judeus. Dr. Mengele fez as primeiras experiências com injeções diretamente no útero, sem anestesia. Qualquer prisioneiro que não suportasse ou se suas experiências não dessem certo era imediatamente morto com uma injeção de fenol.
Não vou me estender nas aterradoras descrições de torturas nesses campos. Por orientação da guia judia, fizemos um sociodrama. Todos nós enfileirados nos estreitos corredores, em silêncio, com fones nos ouvidos. Daí fomos reproduzindo o caminho dos judeus, desde a chegada na estação de trem em Auschwitz. As famílias vieram com a promessa de trabalhar nos campos da Polônia. Recebiam a orientação de que só poderiam levar uns poucos quilos de seus pertences. Levavam jóias, dinheiro, alguns utensílios de cozinha, pouquíssima roupa e retratos de família.
Depois, fomos entrando nos edifícios onde eram alojados 04 judeus em celas cubículos de teto baixo, sem janelas ou basculantes, tão estreitas que não se podia sentar nem levantar os braços, como castigo de tentativa de fuga. Passamos pelos laboratórios das terríveis experiências com seres humanos. E aí, o mais cruel. Entramos no labirinto dos corredores apertadíssimos (lembrei-me de Teseu), no percurso das câmaras de gás e, em seguida, entramos nos fornos. Eu precisei ter consciência de minha mente, do meu corpo, e elaborei a situação racionalmente, desgarrando-os dali, para não sucumbir: “Eu não estou no corredor da morte, nem vou ser cremada neste forno. Este é o caminho que os judeus faziam para morrer, pela crueldade dos nazistas”.

A guia explica que em 1941 foram feitos os primeiro testes de gás com os judeus no Bloco 11, sendo bem sucedido. Nenhum de nós olhava para o outro, pois era uma volta ao passado dolorosamente solitária.
Muitos de nosso grupo de turistas não aguentam entrar nos campos, outros desistiram pelo caminho. Quem aguenta até o fim esse sócio drama, ou via crucis, ressignifica a exterminação desse povo. Todos sabem que ressignificar é o método da neuro linguística, através do qual as pessoas poderão passar a atribuir novo significado a fatos que ocorreram, por meio de sua visão de mundo, vendo novos pontos de vista ou levando em conta outros fatores. É o que estou fazendo desde que me reinventei viageira,ressignificando os acontecimentos de minha vida pessoal, e de acontecimentos históricos, através de um novo filtro no meu olhar para o mundo.
A última galeria mostra fotografias crueis, pois dominadores documentam para registrar seu poder. Contam que essas fotos foram feitas por um soldado alemão do SS, quem sabe, tocado por um sentimento de humanidade que, em lugar de entregar as fotos ao seu superior, entregou todos os rolos dos filmes a um judeu que depois conseguiu fugir do campo.
Em seguida, vieram amontoados os objetos que restaram e não foram saqueados (por não ter valor de venda) pelos nazistas: sapatos e roupas desgastadas, dentaduras, óculos, caneca de esmalte descamada, etc.que pertenceram aquelas pessoas que vieram alí acreditando na esperança de trabalhar e foram exterminadas.
Porém, chegou o momento que desabei, porque sou da geração da guerra e dediquei minha vida ao enfrentamento da violência contra crianças e adolscentes. Lá estão as fotos dos rostinhos de crianças e adolescentes subnutridas com olhares congelados, sem expressão por nada entender do que se passava nas suas vidas. A única coisa que sobrou para contar que estiveram aqui na terra foram os seus sapatinhos que permanecerão para sempre no meu coração e na minha memória, ressignificando a vida e a morte.
Ao sair, disse a mim mesma que, como Teseu, matei o meu monstro e reelaborei os velhos conhecimentos, colocando-os em xeque com os novos conhecimentos, ressignificando o extermínio de um povo. Talvez tenha sido para mim o maior legado dessa viagem.
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