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Tem, mas acabou!


Tem carne do sol com pirão de leite, tem camarão, tem pitu, tem ostra, tem tudo....mas acabou!

Essa é antológica resposta dos garçons baianos, enquanto você vai lendo o cardápio. Ao final, depauperado pelos entreveros do diálogo, você capitula: “ Pelo amor de Deus, traga o que tiver! ” Resposta: “ Sabe que eu não sei? Vou perguntar! ”

Esperávamos num bar, no bairro da Barra, a volta do cozinheiro que saíra para comprar galinha porque a coxinha, servida como tira gosto, terminara. Duas horas depois e só bebericando, meu amigo, o psiquiatra Sérgio Bastos, anunciou: “ Agora só aceito coxinha bem grossa! ” Porém, ele teve mesmo que se contentar em sacudir a coxa do proprietário que cochilava numa mesa ao lado. Queríamos saber que barulho era aquele de portas rangendo superando o barulho da axé-music. Só assim formos informados que o bar estava fechando, porque a cerveja e o gelo haviam terminado e, pela hora, o cozinheiro não iria voltar “mais não”.

Expulsos, eu e meus amigos psiquiatras saímos louvando “A Bahia de todos os Loucos”, livro escrito por um deles, Abnoel Leal de Souza.

Fomos então a um restaurante que anunciava “Espetos Rápidos”. Após longa espera, o garçom dividiu a carne em porções iguais nos nossos pratos. Porém, a porções eram em número ímpar, então sobrou um pedaço de carne presa no espeto, e ele, não sabendo o que fazer, perguntou ao meu acompanhante: “ O senhor quer que eu bote onde? ” E meu amigo: “ Você quer mesmo que eu responda? ”

Uma amiga perguntou numa sorveteria quais os sabores. E a garçonete apoiada sobre o balcão, com a mão no queixo, com um adorável olhar de banzo, apenas mexeu os olhos para cima, como se apontasse o painel dos sabores.

Desculpe, disse minha amiga cliente, e lendo o painel pediu sorvete de ameixa. Arrastando a mão com dificuldade em que se apoiava e, no ritmo da malemolência do corpo de baiana, ela serviu o pedido. Minha amiga provou e reclamou que o sorvete não era de ameixa. Ao que a garçonete apenas deu de ombros sussurrando: “ Agora é tarde, já botei... ”

Semelhante situação vivemos, eu e minhas filhas, ao retornarmos à Bahia depois de 15 anos morando no Rio de Janeiro. Levei-as para tomar “a melhor” banana split de nossa terra ( saudosista ilusão! ). A garçonete colocou as taças num balcão distante de onde se encontrava o sorvete. E com a colher ia levando cada bola, derramando pelo chão. De repente, na segunda bola lembrou-se que não havia colocado as fatias de bananas na taça e, aí, tentou empurrar as fatias embaixo do sorvete. Chegando à etapa da cobertura, pensei, ela vai colocar as taças próximas ao vasilhame. Não colocou. Minhas filhas, Ana e Rosa, mal acostumadas disseram: “ Minha mãe, está tudo derretido! ” Aí, eu, baiana complacente, encerrei o assunto: “ Meninas, relaxem, chegamos em casa! ”

Meus colegas, “gringos” do UNICEF, foram convencidos por um garçom de um famoso restaurante de comida baiana a irem comer numa churrascaria próxima, porque “ aqui é assim mesmo, demora muito! ” (Só na Bahia...).

Porém, vocês não estão vendo assim? Não perco a fé, e no meu ritmo que também é do... afoxé, fui ontem a uma lanchonete e pedi suco de cacau sem açúcar. O garçom trouxe o pedido. Olhando para o copo perguntei a ele o que eu faria com os quatros dedos de açúcar, no fundo do copo. Então ele, com um olhar morno e arrastando a voz como só baiano sabe fazer, respondeu: “Mexe não”.

Sei. Paciência com garçom baiano você tem...mas acabou!

( Publicado no Jornal A Tarde, Bahia, em 1993 )

ESCRITO POR MARLENE VAZ

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