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A Cracóvia e o Vinho de Guarda



Depois de Varsóvia, Cracóvia (Kraków) é a mais importante cidade da Polônia, portanto também banhada pelo Vístula. Já foi capital da Polônia e seu conjunto arquitetônico histórico foi tombado como Patrimônio da Humanidade, pela UNESCO, em 1978.


No século X era uma vila comercial e foi, totalmente, destruída pelos tártaros em 1241 (será que este povo inventou o molho tártaro? Ou chama-se molho tártaro porque tem forte paladar?). Porém este povo cracoviano tranalhador reconstruiu tudo e alcançou prosperidade no reinado de Casimiro, O Grande, em 1384, mas alcançou sua época de ouro com a chegada dos Jaguelones. Nunca antes ouvi falar deste povo!


No século XVI Cracóvia sofre deterioração, porque, junto com a cidade de Varsóvia, foi anexada à Viena (lá vem de novo com sua esperteza minha poderosa mãe Maria Tereza da Áustria!!!).

Na I Guerra Mundial, após o Tratado de Versalhes (1919) estabeleceu-se um estado independente polaco pela primeira vez em mais de 100 anos. Até que veio a 2ª Guerra.

Os nazistas nomearam a Cracóvia capital do Governo Geral, durante a 2ª Guerra Mundial, mas de maneira camuflada, por isso Cracóvia não foi destruída pelos alemães. Era uma espécie de base militar alemã. Alí os nazis instalaram o gueto (leia-se confinamento) judeu em Libam e Plaszow (bairros da margem direita da cidade), que somente foram libertados com a entrada das tropas soviéticas, em 18 de janeiro de 1945.

Quando você entra na cidade, depara-se com uma cidade grande, cheia de longos parques e, mesmo sem ouvirmos falar dela no Brasil, é uma cidade surpreendente. O hotel que ficamos, um luxo! Comercio com marcas internacionais, do mesmo modo que Varsóvia, sendo que Varsóvia por ser a capital é cosmopolita e uma cidade enorme (você caminha muito, para sair da Cidade Nova e chegar à Cidade Histórica!)

A parte antiga ou medieval de Cracóvia tem como mais belo cenário a Praça do Mercado Central (Rynek Glowny), a maior praça medieval da Europa. Lindíssima, com uma extensão de 200m X 200m, que desde 1257 constitui o local mais importante da cidade. Fiquei estupefata quando entrei nessa Praça, à noite, tudo iluminado, mas no sistema de luzes indiretas, criando claros e escuros sobre as fachadas medievais. Lojas de marcas famosas, inúmeros restaurantes e bares, livrarias, a Galeria Malarstwa, o Muzeum Narodowego com pinturas do século XIX e XX de artistas cujos nomes não sei escrever e nem pronunciar, mas soube que são muito famosos. E, para meu deleite, um Antiquário, onde fiz amizade com o dono, Venceslau (Warcislaw).

AH! A comida dessa Praça, é tudo que se sonha e não se pode comer na rotina de nossa vida no Brasil, mas em Cracóvia: PODE! Pé de porco com a carne dissolvendo quando você coloca o garfo, massas, a sopa com pão italiano, mas o tempero da sopa é da cultura local. E pagando tudo com a moeda local: zlots (pronúncia zlotys, um euro vale mais ou menos 4 zlots). Todavia, o melhor prato, a comida mais característica de Cracóvia, e da Polônia é o PIEROGI. Trata-se de uma espécie de pastelzinho semicircular de massa não fermentada branca, como um ravióli de grandes proporções, que vem sempre coberto com muita cebola picada, bem dourada, e pequenos pedaços de bacon frito. O recheio é opcional: queijo cottage ou feta com cebola, chucrute, carne (geralmente vitela) com champignons. No almoço e no jantar, esse prato é servido como entrada, entre um trago de vodca e uma colherada de borsch (sopa maravilhosa) para driblar o inverno. Como estávamos no verão, tomamos as taças de cerveja de 500 ml, mas de vez em quando arriscando uma vodca. Todas as marcas de cervejas divinas! Porém a sopa ou borsch, quentinhas, mesmo no verão, não deixávamos de tomar entre o pierogi (entrada) e o prato principal de carne.


Com um cracoviano, Warcislaw, arquiteto que trabalhou na reconstrução de Cracóvia e a dono de um antiquário, por quem fui abordada,, almocei e tomei um Tojai Azul, muito antigo (vinho de Guarda, como chamam, ou que podem durar anos e quanto mais velho melhor!) num restaurante de um amigo dele. Ao descer na adega do citado restaurante, fiquei assustada ao entrar na escuridão com dois homens. Depois, pensei, sou mais eu e desci. Foi uma aventura misteriosa assistir a retirada de duas garrafas de vinho com teias de aranhas, pelo tempo conservado e sem serem tocadas até aquele momento, para não alterar o sabor do líquido precioso. Horas que não tiveram preço. Puro deleite de estar solta no mundo, em liberdade, comendo e degustando vinho da mais sofisticada gastronomia polonesa. E olhando, no meio da Praça, a estátua do poeta romântico Adam Mickiewicz. Não sabia da existência desse poeta polonês, mas meu amigo cracoviano me informou sobre o poeta e citou versos dele em polonês que, é claro, não entendi uma só palavra, mas entendi ser docemente romântico. Quem de nós não entenderia assim? E fiquei toda prosa. Qual mulher não ficaria? Vocês têm outra amiga que ouviu versos românticos, em polonês, de um cracoviano charmoso na Praça Rynek Glowny, na Cracóvia?

A colina Wawel, dominando a parte mais antiga da cidade, de onde você espia o Rio Vístula, contam uma lenda. Dizem que foi em uma de suas cavernas que o legendário líder, príncipe Krak teria abatido um dragão, que, até então, ninguém havia conseguido matar. Krak lhe deu comida bastante salgada. O dragão correu para beber água e secou as águas do rio Vístula. Como não aguentou com tanto líquido, explodiu, e as águas do rio voltaram, e assim a Cracóvia foi fundada. Um garoto chamou toda a população e contou o feito. E assim Krak (nada a ver com a pedra maldita) foi coroado como primeiro rei da Polônia. Por isso o símbolo dessa cidade é um dragão. Tem monumento ao dragão na Wawael. E mil lembrancinhas com dragões para turista boba como eu, que compra todas essas quinquilharias culturais, tem trabalho para embalar, paga excesso de bagagem e, depois, chega ao Brasil, coloca na estante e fica abobalhada admirando, lembrando dos lugares do mundo onde passou, mas muito, muito satisfeita! E a faxineira reclamando para limpar. “A senhora ainda vai trazer mais coisas?” Estas quinquilharias são meu investimento, junto com os DVDs dos lugares, para relembrar por ande andei, quando ficar velhinha e não mais poder viajar.

O castelo medieval Zamek, fica nessa colina, situado e foi residência de reis poloneses, sendo ampliado em fortaleza entre os séculos 14 e 18. Juntamente com a catedral gótica, ele forma um complexo arquitetônico, onde inúmeros monarcas foram enterrados. A guia nos mostrou onde foi enterrado o Presidente da Polônia Kaczynski, morto num desastre de avião, naquele mesmo ano e que ocupou a mídia do mundo. Foi uma homenagem por ser muito popular entre seu povo. Foi um símbolo de poder ele ter sido sepultado entre os reis.

Até a capital do reino da Polônia ser transferida para Varsóvia, o Wawel foi o centro de poder do reino da Polônia . O fato sócio-político interessante é esse lugar ter sido local de coroação e sepultamento dos reis da Polônoa. A cidade de Cracóvia mantem um lugar de prestígio no sentimento nacional da Polônia.

Visitamos o Castelo Zamek, em estilo gótico, que foi destruído por um incêndio e reconstruído entre 1502 e 1536 por Segismundo o Velho; também a igreja de São Warcislaw; ao sul do castelo está Kazimierz, um centro judaíco onde 90 % dos judeus foram mortos na 2ª Guerra, e sua Sinagoga. Lá na colina também estão o Museu Galicja e o Colégio Maius, do século XV, época do iluminismo. Vimos ali um famoso restaurante – Gallicyiska - dentro de um antigo porão.

Em seguida, a guia nos levou a fábrica, hoje um museu, onde Shindler negociou com os nazistas para fornecer judeus para trabalhar nessa fábrica que produziria para os alemães durante a 2ª Guerra, com o intuíto de enrequecimento para o proprietário. Depois, comoveu-se e resolveu armar uma estératégia para salvar os judeus. Lá estão as fotos dos judeus que escaparam, graças a ele, de serem cremados nos fornos dos campos de concentração. Observamos, na cidade antiga, os cenários onde foi filmado o filme “ A Lista de Shindler”.


A guia mostrou também a antiga e singela casa cor de rosa de Madame Helena Rubstien, que usou as receitas dos cremes que sua mãe lhe ensinou, e encantou o mundo dos cosméticos.


Fiquei assombrada quando vi a casa onde viveu e fez seus estudos astronômicos sobre o sistema solar, Nicolau Copernicus. AH! Confrades! Vi uma casa de moradia tombada, próxima a dele, provavelmente de um rico polonês, quem sabe judeu, datada do século XII e que não foi destruída pelas guerras. Estas duas construções grudaram em mim, jamais sairão de minha pele. Pena que a bateria de minha máquina acabou, justo ali, e a outra bateria não carregou, embora tenha passado a noite na tomada. Foi o momento que mais senti necessidade de uma máquina fotográfica. Naquele ano ainda não tinha celular com câmara.

Chegando à Praça Pricipal ou Praça de Guerra, nos deparamos com mulheres vendendo colar de pãezinhos redondos enfiados num cordão (maneira antiga de comer pão, para não interromper o trabalho nas minas de sal, e também para as mães colocarem nos filhos quando saiam para trabalhar) Foi quando o o amigo Tom comprou um colar, colocou no pescoço de Martha sua mulher, e caminhva com a boca no colar, comendo os pãezinhos, enquanto Martha reclamava. Cena hilária!

A guia mostrou: a Torre da prefeitura, com o que restou da destruição de 1820; a Igreja de São Adalberto, palácios lindos, como o Palácio Potocki (este nome é engraçado, na hora me lembrou um inseto do Brasil, não os mosquitos assassinos de 2016, mas o potó), com um pátio lindo; a Casa Hetman, a Casa das Lagartixas do século XV, a Casa Boner (lembrei-me de William Boner), a Casa Montelupi, de estilo renascentista e a Casa Gris, construída no século XVI pelos Castelli. O Salão dos Tecidos e a Igreja Mariacka (aqui devo confessar, anotei tanta coisa, outras guardei na memória, porque ficou tudo muito confuso, tanta informação histórica!)

A guia nos mostrou também a Igreja de Santa Bárbara, de estilo gótico com lindos afrescos (nunca ouvi falar no nome do artista, Molitor). Outro edifício emblemático da Praça, que domina a área por sua beleza, é a Igreja Paroquial da Assunção, fundada em 1922.

A Cracóvia tem tantos palácios, tantos museus, que eu escreveria páginas! Vou parar para sobrar espaço para falar das Minas de Sal Wieliczka, Patrimônio da Humanidade. A cidade de Wieliczka, fundada em 1920, fica ao sul, na Região Metropolitana de Cracóvia. Vimos, na entrada da mina, fotos de ilustres visitantes: Nicolau Copérnico, Goethe, Alexander Von Humboldt, Dmitri Mendeleev, Robert Baden Powell (quem criou o escotismo e, segundo meu mestre em antropologia, Vivaldo Costa Lima, Baden também matou muitos peles-vermelhas nos Estados Unidos), Karol Wojtyła (depois João Paulo II). Durante a 2ª Guerra os nazis ocuparam essa mina para produzir produtos militares. Em 1978, foi tombada pela UNESCO como Patrimônio da humanidade.

A muitos metros de profundidade, tudo em sal, vê-se estátuas, pequenas capelas, um altar majestoso e lustres lindíssimos de cristal na Catedral, e reproduções da vida cotidiana da história cultural da polônia. O espetáculo de luzes na catedral é deslumbrante! Pura emoção, de arrepiar, nunca vi espetáculo igual, a tantos metros debaixo da terra.

A mina tem uma lenda representada pela figura em sal de Mieczyslaw Kluzek. Contudo, a lenda é enorme, não vou encher o saco de vocês contando.

Paredes, imagens, tudo é de sal escuro, que posteriormente é lavado, mas se acender a lanterna, vê-se o sal branco (quem for leve uma lanterninha). Uma das reproduções em sal que mais me chamou a atenção (fotografei) foi uma cena administrativa. O funcionário sentado na mesa fazendo anotações no livro-caixa, outro de pé ajudando a chamar os operários na fila para receber o pagamento (vide foto). O pagamento era em sal, daí vem o nome salário (conforme diz o senso comum, vivendo e aprendendo).

Quem tem problemas de claustrofobia, ou sofre de pressão alta, não vá. O ar para respirar naquela profundidade é muito pesado. É desconfortável, caminha-se muito. Haja pé, pois o elevador só desce até certa profundidade. Imaginem que nessa profundidade tem um sanatório “onde pessoas com problemas alérgicos ou respiratórios podem desfrutar dos benefícios de uma temporada subterrânea”. Deus é mais, achei desconfortável. Porém, se trata de um lugar indescritível. Somente indo para compreender.

Na véspera de irmos embora fomos a um restaurante com músicas típicas polonesas. Muito bonito o espetáculo, lindas as roupas, a música, os passos de dança, mas a comida servida foi péssima, apenas belisquei os diversos pratos (o vinho era horrível, assim tomei cerveja).

Cracóvia é muito linda, imperdível de se ver, por toda sua história. E eu, ainda por cima, saí de lá fazendo um amigo cracoviano, que me levou ao hotel, caminhando pelas ruas, de mãos dadas. Durante um certo tempo trocamos e-mail, mas eu não voltarei, o tempo de vida é curto, tenho inúmeros lugares do mundo selecionados para me deslumbrar com suas belezas. Todavia, asseguro, Cracóvia é uma assombração de beleza.

ESCRITO POR MARLENE VAZ

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