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O Amor de Mãe (Instinto ou invenção social?)

Ouvi de um amigo, num momento genial, que todos os amores são inventados.

Lembrei-me então de Elisabeth Bandinter, antropóloga francesa, que concluiu nas suas pesquisas que o amor materno não está inscrito na natureza feminina, não sendo inerente à condição da mulher. Porque embora este amor exista desde a origem da sociedade, difere de uma mulher para outra.

A sociedade descreve o instinto materno como o amor primordial que cria em toda mulher, considerada “normal”, o desejo de ser mãe. Uma vez satisfeito esse desejo, ela é estimulada a cuidar do filho “padecendo no paraíso”. Oh, o mais doce sofrimento!

Ora, pois! Conheço inúmeras mulheres que nunca tiveram filho, umas por opção, outras por infertilidade; outras que não suportam a dor da amamentação, ou que se irritam com o choro do recém-nascido; ou aquelas que acham um saco dar comida à criança. E nem por isso deixam de ser “normais”. Portanto, se você, mulher, se encaixa numa dessas categorias, relaxe, sem culpa, no Dia das Mães.

Porém, há os que acreditam que até os animais irracionais cuidam e protegem seus filhotes. Também contam a história de que uma cachorra teve filhotes e adotou também um gatinho enjeitando, dando de mamar. E que a vaca fica braba se alguém chegar perto de seu bezerro. Assim, declaram que até os animais têm “instinto materno”. Bandinter lembra que a fêmea mamífera ao parir está com as tetas cheias de leite, o que provoca dor. Por isso, precisa esvaziá-las através de seus filhotes que mamando aliviam o sofrimento. Assim, a vaca mantém o bezerro preso às suas tetas e, uma vez concluído o ciclo da amamentação, separa-se do seu filhote e não mais o reconhecerá. Além disso, convém lembrar que algumas mamíferas rejeitam suas crias no ato da parição.

E o que acontece com a mulher, mamífera racional? Caso lhe tirassem o bebê ao nascer e o encontrasse, anos mais tarde, ela o reconheceria? Ah! Não? Então, cadê o instinto materno?

Acredito que a maternidade da mulher difere das mamíferas irracionais, porque aprendeu a amar seu filho, desde quando o ser humano é capaz de simbolizar, colocando-se acima da esfera puramente animal. Penso que o amor materno é um símbolo inventado, aliás, como disse o poeta Drummond – amar se aprende amando.

Lanço-me como exemplo. Uma das minhas filhas já não está mais aqui, porém meu amor transcende à morte, não porque fosse minha filha, mas porque adquiri esse amor ao longo dos anos que passamos juntas. Um amor conquistado, talvez a melhor das minhas invenções.

Para perpetuar o amor de mãe a sociedade incensa esse sentimento mágico, enquanto a sociedade de consumo o vende através do Dia das Mães. E ai da mãe que não ame seu filho, e ai do filho que não homenageie esse amor com presentes!

Nada contra esse amor, mas o perigo está no fato de que, como descobriram que a mulher podia ter filho, a fizeram acreditar que esse é o seu único papel e que, mesmo não tendo vocação para ser mãe, lhe impõem esse sacrifício “desdobrando fibra por fibra”, porque isso faz parte de sua “natureza”.

Mulher, liberte-se, tenha filho se puder, ou se quiser aprender a amar o rebento, porque parir é um ato natural, mas amar o filho é um ato social. E, sendo assim, qualquer mulher pode aprender a amar uma criança, mesmo não a tendo parido, podendo adotar uma criança, considerando o expressivo número de crianças abandonadas no Brasil.

Todavia, como muitas mulheres são felizes com a maternidade, como eu me realizei, e a essência do amor materno continua misteriosa, vou lambendo minhas duas crias, daqui e de acolá, inventando a cada dia uma nova maneira de amar.

ESCRITO POR MARLENE VAZ

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