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"Viciadas" nessa Vidinha

Revelar compreensão com o problema das meninas exploradas sexualmente constitui para o público uma mistura de raiva contra a pobreza e rejeição às vitimizadas, expressas no desabafo: “Coitadinhas, a culpa é da pobreza, mas se chamá-las para lavar roupa lá em casa, lavar um banheiro, tomar conta de crianças, elas não querem, porque estão viciadas nessa vidinha”.


A principal causa da exploração sexual de meninas é mesmo a pobreza, conforme minhas inúmeras pesquisas. Porém, daí aceitar a proposta de trocar excitação sexual por fazer trabalhos domésticos é acreditar que essas meninas sejam burras. Que excitação erótica existe em executar trabalhos domésticos? Isto é o que chamo de proposta indecente.


Além disso, o ato sexual pode explicar-se em três etapas, visualizado num gráfico: primeira etapa, a excitação, que constituiu a linha reta da base do gráfico; toda excitação gera tensão, sobe a linha da curva do gráfico; toda tensão requer alívio (gozo), desce a curva do gráfico.


Agora, imaginemos uma menina que faz sexo 10 vezes ou mais em 24 horas, repetindo excitação, tensão e alívio. Terapeutas ingleses afirmaram que o intenso contato da pele e a estimulação do corpo durante o ato sexual cria um estado de extrema estimulação física e fisiológica na criança e na adolescente, seja no intercurso vaginal, anal, oral ou na masturbação. Isto pode provocar extrema dor e excitação e, sentindo-se fragilizadas, desamparada, podem experimentar altos níveis de ansiedade.


Isto gera um hábito de desorganização sexual ou de compulsão auto-erótica e as meninas não conseguem mais administrar suas demandas sexuais. É o que o senso comum chama de “vício”. Também o mal informado diz que “prostituta não goza, só vende o corpo”. Ora, há momentos em que esse controle não funciona e as meninas me disseram, num gestual com os braços, que ainda que não ocorra o gozo, “é um alívio quando aquele homem sai de cima de mim”.


Adiciona-se ao hábito de compulsão auto-erótica, o consumo de fumo, álcool e drogas. Aí passamos a ter um conjunto de hábitos imbatível!


O Governo Federal pretende, este ano, fechar os locais de exploração sexual comercial e aumentar a distribuir Bolsa Escola às famílias de baixa renda, combatendo os danos legais. Somente esta política pública não é o bastante. O Governo precisa treinar as famílias que receberem esse beneficio em habilitações profissionais, para serem incorporadas ao mercado de trabalho e, assim, desligar-se do Bolsa Família, para que esta não se torne uma política assistencialista.


Além disto, precisa assumir e supervisionar os serviços de psicoterapia gratuita, enfrentando os danos psicológicos, pois do contrário, entre outros insucessos, a significativa maioria voltará para as ruas e prostíbulos, arrastadas pela compulsão auto-erótica. Uma fonte de recursos para essas políticas públicas poderia ser a cobrança de uma multa aos exploradores sexuais.


Alerto que a maioria das ONGs atende somente aos vitimizados pelo abuso sexual e, ainda assim, não consegue satisfazer à demanda.


E, por favor, não culpem as mães e os pais pobres por empurrarem suas filhas para a prática dessa “vidinha”, porque embora eu não concorde que meninas sejam atiradas aos aliciadores, sou capaz de compreender essa situação resultante da pobreza das famílias. Por isso, peço que reflitam que na casa em que falta o pão, os roncos da fome soam mais alto do que as batidas do coração.


( Artigo publicado no Jornal A Tarde, Bahia, em 2007 )

ESCRITO POR MARLENE VAZ

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