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Lembrando o Jornalista Tim Lopes

Realizei o levantamento nacional “A Situação do Abuso Sexual e da Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes no Brasil”, em 1996, para o Unicef. Num morro do Rio de Janeiro encontrei velhinhas, crianças e adolescentes comprando cocaína, como intermediários de traficantes jurados de morte pelos altos escalões do tráfico.


Lembrei-me que antes meninos vendiam os sacolés ou geladinhos com sucos de frutas. Agora, os meninos compravam cocaína nos mesmos saquinhos. Ainda, traficantes entregavam dinheiro ao pai e pegavam a mina para o líder. Após ser compelida a usar a melhor cocaína e, depois ser abusada sexualmente pelo líder, a menina iniciava uma escalada descendente, tanto pelos parceiros traficantes com quem teria de manter relações sexuais, como pela qualidade da cocaína, até chegar ao mais baixo nível de qualidade de parceiros e da droga.


Conversei com uma menina que esperava um traficante. Ele traria pó de baixa qualidade. Este chegou, ela foi ao seu encontro. Vi que indagava sobre mim, passando a mão poderosa por todo o corpo dela, fixando-me o olhar. Sentei-me à mesa de uma pensão. Ele seguiu-me, com a menina. Bebia, alisava a pele da garota com um revólver e com a mão levantada sacudia um sacolé-cocaína, um brinquedo que ela tentava pegar. Eu disfarçava o medo. A dona da pensão, preocupada, apresentou-me ao traficante. Ele estendeu um dedo para que o cumprimentasse. Sinal de que eu teria apenas um dedo de chance de sair dali. Quando ele permitiu, pude sair acompanhada da proprietária, alertando-me que não olhasse para trás. E que nunca mais voltasse. Esse fato me reporta ao comentário de profissionais de diversas áreas, em 2002, dizendo que o local do morro era de risco, portanto, Tim Lopes foi lá porque quis, o que vale dizer morreu por sua culpa. Respondo por mim e por ele - alguém teria que fazer o trabalho. Tenho certeza de que onde ele estiver lamenta-se não por ter desaparecido, mas pela reportagem não publicada sobre os bailes do tráfico para exploração sexual de meninas.


Porque seria assim que eu me sentiria se não tivesse podido sair, naquele dia, daquele morro. Familiares, jornalistas e ONGs estimularam à Segurança Pública, ao Ministério Público e ao Judiciário a cumprir justiça legal e social a Tim que, certamente, deve ter sentido medo, mas não foi covarde para abandonar uma reportagem que seria exemplar na linha de jornalismo investigativo, para mudar as pessoas que podem mudar o mundo. Por isso, a ANDI, Agência de Jornalismo dos Direitos da Infância, aliou-se ao Instituto WCF Brasil e criou o Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo sobre Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, contando com o apoio da Federação Nacional dos Jornalistas e do UNICEF.


O Prêmio Tim Lopes premiou nacionalmente vários jornalistas dos meios de comunicação privados e públicos, registrando essa história do jornalismo investigativo brasileiro, tendo como símbolo o saudoso jornalista. As meninas e os meninos vitimizados sexualmente agradecem aos jornalistas que lhes dão visibilidade social.


Artigo publicado no Jornais A Tarde (Bahia), e Gazeta do Povo (Paraná).

ESCRITO POR MARLENE VAZ

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